sábado, 12 de março de 2011


«Há dias em que acordo com dez anos, o cabelo despenteado e os olhos a brilhar como duas estrelas. Podes estar ou não ao meu lado a dormir como uma criança, ou a viver na minha memória, mas sinto sempre o teu cheiro a leite e oiço a tua respiração regular e vejo o teu peito a subir e a descer ao ritmo do teu coração. O ar enche-se de açúcar em camadas invisíveis que se espalham por toda a casa e nos acompanham à rua quando saímos, sempre atrasados, porque nunca nos queremos separar.
Enquanto guio pela cidade e resolvo a minha quase infindável lista de tarefas, tu vais sentado ao meu lado, vejo-te de óculos escuros, oiço-te a cantarolar e sinto a tua mão esquerda sobre as minhas pernas. Nos sinais vermelhos, se fechar os olhos e me concentrar, a tua boca vai escorregar pelo meu pescoço acima até dobrar a linha do maxilar e percorrer a minha cara até chegar à minha boca para mergulhares em mim como uma onda salgada e doce, num beijo profundo e demorado.
Às vezes os outros carros buzinam porque estou distraída, mas não me importo, faço tudo devagar, com a doçura e a sabedoria dos eternos apaixonados que vivem a sonhar acordados, que viajam para outras cidades em sonhos, que adivinham o futuro melhor do que qualquer cartomante, que imaginam cada dia como o dia perfeito das suas vidas.
Tu és o meu amor perfeito. Não sei exactamente quem és nem em que cidade vives, mas és muito bonito, tens um coração onde cabe o mundo inteiro, gostas de ler e de rir e os teus amigos dizem que és o melhor amigo do mundo. Gostas de viajar, falas várias línguas e consegues fazer piadas em todas elas. Andas de ténis e de calças com bolsos, tens uns olhos enormes e o cabelo despenteado. Nunca serás um senhor de fato e gravata, nunca serás administrador de um banco, nunca chegarás a casa com cara de chato, como fazem aqueles maridos que deixam crescer a barriga, andam de pantufas e passam horas colados aos canais de desporto.
Tu és o meu amor perfeito, que me compra colares e me escreve bilhetes, que me dá a mão na rua, que me abraça no meio de todas as praças e me leva para a cama sem hora marcada. Tens um sorriso enorme e sempre que olhas para mim, sinto uma fábrica de borboletas no estômago e tenho vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo, porque sabes fazer-me a pessoa mais feliz do mundo.
Não sei em que país vives ou de que planeta desceste, mas tenho a certeza que vives na terra e que, tal como eu, sonhas com um amor perfeito, feito de paz e de açúcar, um amor seguro e tranquilo que a distância não mata nem o silêncio consome. Pode ser que te torne mesmo verdade e um dia destes entres pela porta da minha casa e me digas que nunca mais te vais embora. Mas, mesmo que nunca venhas, és o meu amor perfeito, a imagem idealizada do que desejo e mereço, o sonho que me faz acordar e sentir-me outra vez com dez anos, com estrelas no olhos e o coração cheio de açúcar.»


Margarida Rebelo Pinto

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